O que é a morte?
É o corpo que padece e exaure.
E quando é a alma que sofre?
Quando o espírito parece se extinguir,
Quando apenas o corpo e sua vida restam
e sem alma lutamos por mais carne
O que fazer quando tudo o que mantém
o corpo vivo insiste em aniquilar a alma?
Afinal, o que é imortal?
O corpo ou a alma?
sexta-feira, setembro 17, 2010
quinta-feira, abril 22, 2010
Senhora do Destino
O sol nasce mais uma vez a quem ainda pede perdão.
Com esta frase resoluta, encerrou a discussão, fechou seu livro de memórias e foi-se. Para sempre.
Ocaso de uma jornada, momento decisivo. A espera de todos. À espera de todos.
Quem já a viu, sabe. Eu estive ao seu lado e sei.
Ela já me acariciou com cantigas ninar. Não me despertou, permitiu-me continuar dormindo e sonhando uma vida.
Anos depois, o reencontro. Ríspido momento, cravou em meu coração um alívio e uma dor nunca imaginados.
Seu vulto frio gelou minha espinha e ainda hoje, nas noites mais escuras sinto sua delicada respiração dizer-me: em breve.
E me apavoro em perspectiva. O que é breve para alguém que conhece a eternidade?
terça-feira, março 16, 2010
Cartinha para meu filho.
Eu sei o que você sente. É difícil acordar e ter gente olhando,
esperando você crescer. Impossível entender que é preciso reduzir o corpo, estrangular a alma, podar as paixões. Complicado caber-se numa caixinha quadrada e sentir o amargo da palavra contida. Dói quando nosso coração tem que se contentar com o peito.
Asssumir que o mundo é grande e que o espírito não é infinito, engolir essas mentiras, eu sei, não é fácil. É duro, é frio, é áspero.
Bom é ser pequeno e abraçar o universo, mas não é suficiente, meu filho. É preciso ser menos. É preciso um papel, um número e um nome composto onde caibam o destino, os amores e as fantasias. São coisas difíceis de aprender e doloridas de ensinar.
Mas quem disse que a vida vem de graça?
Vou lhe dizer: vale a pena.
A dor, o sofrimento e a solidão são apenas troco, moedas que pesam em nosso bolso e que guardamos, juntamos, somamos até que, num instante, voltam a valer e nos compram um pouco da compreensão.
E se crescer é diminuir-se, meu filho, é justamente para circunavegar a luz - nem grandes, nem perto, para não nos tornar sombra. Apenas a intenção, essa é lição, nos faz chegar. Por isso preciso segurá-lo, para que não vá. Devo negar-lhe, para que possa se afirmar. Esse é meu papel: tirá-lo do jardim e jogá-lo no deserto da alma, na secura do corpo. E um dia, quem sabe, você aprende o caminho de volta. E vai perceber, ínfimo, que seu coração não parou de crescer e que dentro dele há de viver. Viver e sonhar.
segunda-feira, março 01, 2010
Meus livros
Eu compro livros, mas não os leio.
Levo-os para casa, mas não os possuo.
Não tenho tempo para livros, tenho esperança.
Pois são para mim a promessa de um futuro melhor
Em que o tempo não seja matéria.
São os tijolos da alma com os quais ouso
construir minha previdência, minha morada eterna.
E assim tenho a certeza de uma velhice cheia de sonhos.
terça-feira, fevereiro 23, 2010
Bom dia - Reinaldo
Era a quinta vez que acordava. Abriu os olhos com alguma cerimônia. Seu corpo padecia e suas pálpebras movimentavam-se vagarosamente em solideriedade. Dessa vez havia luz – mais um dia – pensou. Estaria mais longe ou mais perto da morte? Cerrou os olhos novamente, agora com uma urgência que só o medo pode causar. Respirou fundo, sentindo os ossos tremerem de dor, por fim, encarou o teto branco, a luz fria e branca, as paredes brancas. Não havia muito o que fazer, deu bom dia a seus únicos companheiros, o soro, o tubo de oxigênio, o medidor de sinais, a sonda, os drenos, ah...os drenos, quantos são? Dois, três, não sei.
É incrivel conseguir sentir algo mesmo afogado em analgésicos. Mas ele sentia. As máquinas, a borracha, o veneno correndo por suas veias e a dor que se escondia por detrás. Sentia uma irremediável solidão.
Tentou se levantar. Sem resposta.
Mexeu os dedos dos pés ou, pelo menos, achou que o fez. Tentou mover os braços, o máximo que conseguiu foram as mãos. E no compasso do seu coração, que pulsava ressoando em bips ásperos, tocou as teclas de seu piano. Foi então que Chopin invadiu a fria UTI, inundando com delicadas notas todos aqueles tubos, fios e horrores. Fechou novamente os olhos e dançou, deixando escapar por instantes sua inescrutável melancolia, a cadência do nocturno o levou. Já ia se entregando ao sono ou às trevas, o que fosse, quando ouviu o barulho da porta. Quem seria? Visita ou agulhas?
- Bom dia Dr. Reinaldo, vamos ver como estão as coisas hoje?
Agulhas...já sentia falta delas, rompendo sua pele, extraindo um pouco mais de sua vida. Mas eis que existe, vermelha, envidraçada, milimetricamente contemplada, só para lembrar que resiste, que ainda é humano em meio a tantas máquinas. Só não podia suportar aqueles esparadrapos tentando cobrir o roxo-amarelado de seus braços, sem falar que coçavam. A que horas vão começar a coçar hoje? Deixem logo minhas veias abertas, meu sangue a escorrer, a marcar meus últimos dias, a imortalizar minha obra em lençois esterezilados.
Falar não podia. Achou melhor desse modo, a língua calada pouparia suas energias, o verbo contido não ofenderia ninguém e a enfermeira poderia continuar assim a assepsia de sua matéria mortal. Gaze, sabão, paciência e um pouco de nojo. De sua parte, a vergonha e a impotência mudas.
- Vou deixar você bem cheiroso, afinal hoje você tem visitas muito especiais.
Qual remédio que nada, palavras...palavras muito bem prescritas. Quem poderia ser? A mulher...essa já morreu, o irmão...tanto tempo, a filha, sim, a filha. E quem mais? Estava só...enfermeiras...lamentou não poder oferecer biscoitos, impossível receber bem nessas condições. Ela gostava tanto daqueles biscoitinhos. Como estava linda, cabelos lisos e castanhos descendo aos ombros, os olhos da mãe, não havia como não se apaixonar por olhos assim.
Raquel disse algumas palavras, o que importava? A música de sua voz não trazia palavras, só lembranças e sonhos bons. Os primeiros passinhos, o sorriso largo, a gargalhada fácil, os olhinhos vidrados naqueles doces da vitrine.
Uma lancinante dor o fez voltar àquela UTI, seu rosto se contraiu e uma lágrima viajante carregou suas memórias. Estava consciente. Seria aquela a despedida? O olhar de ternura da filha não o contradizia, aquela compaixão velada, a pieguice sentimentalista da morte rondava seu leito.
Sentiu a delicada mão apertando a sua, conduzindo-a para um outro mundo. Lá estava ele, no futuro, a mão sobre o ventre da filha. E nesse instante de improbabilidades, sentiu seu neto e ele o sentiu. A filha riu-se da eloquëncia do encontro. Ele riu-se da situação. O hospital não era tão ruim assim, o dia não era tão entediante assim, não havia solidão. E...não, não era a despedida, afinal, muitos biscoitinhos esperavam na despensa de casa.
terça-feira, janeiro 19, 2010
Se
Se eu fosse um poeta não seria um Drummond
Nem um Vinicius, tampouco Mario de Andrade
Passaria longe do Bandeira,
adorados poetas na vida e na poesia.
Eu na minha pequenez pretensão
Sou sujo, incauto,
Odiado e malamado (que não me ouça o meu amor)
Sou o outro Drummond, Roberto.
Sou o outro Andrade, Oswald.
Sou aquele que não aponta as feridas
Mas extrai o pus sem sobreaviso.
Não vim ao mundo fazer amigos
Muito menos inimigos.
Vim apenas cumprir o foi dito
Dizendo o que é preciso.
Mas eu não sou um poeta.
Assinar:
Postagens (Atom)